(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Mudou, mas em boa parte continua válido.

Do Importante Não Sei

Tratado Sobre a Ignorância

Sei matemáticas e gramáticas,

Sei contas e acentos vários

Mas não sei sorrir para foto.

Sei andar com meus dois pés e posso

Sei dar um bom aperto de mão e um ombro para chorar

Mas não sei dar um beijo

Sei dar um bom dia, mas de manhã raramente sei desejar um bom dia de verdade.

Sei dar uma boa noite, mas geralmente estou com tanto sono que não dou.

Sei dizer boas palavras, mas economizo-as tanto, que acho que um dia não saberei mais.

Sei que a terra é redonda.

Sei que um ano tem 365 dias 6 horas e vinte e poucos minutos

Mas não sei como aproveitar cada um desses minutos extras

Sei escrever, e escrevo bem.

Sei ler e o faço com fluência e facilidade

Sei atuar um pouco. Mas não sei mentir

Sei ser amigo, mas de poucos.

Sei amar, mas não sei dizer Te Amo.

Sei correr, mas não consigo por tempo suficiente para ganhar a corrida.

Sei acordar de manhã, com a ajuda do despertador.

Sei abrir meus olhos e ler na minha mão o que tenho de fazer durante o dia.

Explico: Anoto na mão o que tenho de fazer no dia seguinte antes de dormir.

Sei levantar da cama e ficar molemente de pé.

Mas não sei caminhar até o banheiro sem tropeçar no meu próprio pé.

Sei escrever uma boa carta e tirar lágrimas de alguns olhos

Sim, sou emocionante.

Mas não sei despertar paixões e não sei conquistar.

Se o faço é sem quere porque quando quis não consegui.

Sei pegar copos na última estante do armário,

Mas não sei preparar um bom suco.

Sei velejar, mas não tenho carteira.

Sei nadar, mas não sei comer peixe.

Sei ser um pouco, mas se sou muito me enjôo de mim.

Sou enjoativo de mais, querendo ser o novo que não sei.

Sei fingir que sou mais do que sou.

Sei ser necessário.

Mas não tenho facilidade de me fazer querido.

Sei cantar, mas não sem desafinar ou gritar muito.

Sei tocar flauta, mas não sei tocar música.

Sei escrever de novo, mas não sei revisar nem passar a limpo.

Sei Yôga, mas tão pouco que me sinto grão de areia.

Mas não sei ser grão de areia e me faço reflexo de sol na praia,

Fingindo-me milhões de grãos molhados em um seco.

Sei o grão de areia, mas tão pouco que me sinto menor do que ele.

O grão de areia é maior porque já viu mais do que eu.

É velho e antigo do mundo.

Sei ser o mar e sei ser as estrelas.

Mas não sei ser as estrelas com a simplicidade delas nem ser o mar em sua infinitude.

Sei mexer na Internet, mas não sou bom em localizar informações.

Sou ótimo em começar livros, não sei terminá-los.

Sou bom aluno, mal vivente.

Sei fazer elogios, não sei criticar sem ofender.

Sei fazer um bom trabalho, não sei fazê-lo em grupo.

Odeio obedecer, não sei mandar.

Amo tentar, conseguir me cansa.

Não ganho muito, mas não sei perder.

Sei os problemas, mas não sei resolvê-los.

Sei o que tenho de fazer, não sei fazê-lo.

Enfim, sei muito de muito.

Mas do importante não sei.

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