(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Semáforos amarelos

Eu sonhei tanto

E tantas vezes tanto

E repetidamente o mesmo sonho e tanto

Que inevitavelmente

Havia de destruí-lo por dissolução no tempo


Por escadas de mil degraus é que se sobe

Ao infinito trampolim de desespero

E se sonhando a algum lugar se chega

É ao intermédio entre a escada e o salto ornamental


Cem mil pavios queimaram num instante

Toda a fé num profeta que não veio

Toda a esperança que já disse que não tenho

Todas as preces que eu nunca recitei


As estrelas cadentes caíram

Os trevos de quatro folhas murcharam

Ou foram comidos por pulgões famintos,

Ou atropelados por solas desatentas.


Num trem elétrico abandonei o campo

Os campos

E corri pelas avenidas infestadas

De luz, de almas penadas, de mil gritos,

E desesperei por tanto tempo

Que decidi, pacientemente,

Esperar.

Esperar tanto

Mas tantas vezes tanto

E repetidamente esperar tanto

Que a espera se dissolva no infinito.