(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Auto Retrato Incompleto. (Salomão)

Sou não mais eu mesmo como pensava ser.
A cada dia me transformo e mudo,
E ao deitar de noite não me reconheço
Como era ao amanhecer.

Mudo a cada instante que rio e sofro.
Mudo a cada instante que penso e sinto.
E penso se neste mudar infinito ainda me perderei
Ou se conseguirei um dia me encontrar,
Caçador de mim.

Ainda me procuro debaixo da cada pedra,
Na fumaça de cada incenso
Na chama de cada vela
Nas gotas de cada copo d'água e banho que tomo.

Ainda tento me encontrar no templo que jaz dentro em mim
Ainda tento me contrar nas cartas
Ainda tento me encontrar nos mapas de estrelas e planetas
Ainda tento me encontrar dentro e fora de mim

Ainda tento me encontrar em outros,
Ainda tento me encontrar no amor
Ainda tento me encontrar na amizade
Na ajuda, na procura e mesmo na descoberta me procuro.

Tento me encontrar em olhares que não são para mim
Em beijos que não estão na minha boca
Em atenções que não me são dedicadas
Em ilusões que não são, óbvio, verdadeiras.

E tenho a impressão cronometrada de que procuro
E tenho a impressão anacrônica de que procurarei
Sempre e eternamente me procurarei sem me encontar.

Até quando, pergunto, Pai?
Até quando? E não tenho resposta.
E tenho e diz:
Até quando te encontrar, Filho.

E de olhos abertos e fechados me procuro
Cantando como numa prece que está tudo azul
E repetindo como num poema que tudo dará certo.
Sem mais acreditar ou não, simplesmente pelo hábito
Pelo hábito de acreditar e saber.

Me procuro não mais porque me quero,
Mas simplesmente pelo hábito de me encontrar.

Solidão, disse o poeta certa vez,
É quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos,
Em vão,
Pela nossa alma.


Procuro sem esperança ou vontade, mas sem desacreditar
E sem ficar mais fraco pela falta de vontade.

Auto retrado incompleto,
Procuro as cores de meus olhos.

Um comentário:

Alice Salles disse...

Me apaixonei por esse aqui!