(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

domingo, 31 de maio de 2009

Cacos de ontem



Mordi copo de cristal

Achando que era a lua

E achando que estava nua

E que era noite de Natal


Bebi do vinho branco

Bebi da via-láctea

E a lembrança asmática

Fez-me sentir-me mal.


Mas você não viu os cacos na boca

Achou que meus gritos eram de louca

Achou que o grave da voz era rouca

E não percebeu que eu beijei tua roupa

E não percebeu que eu cheirei tua boca

Porque o teu cheiro estava na pele, na perna, na porta

Teu cheiro estava tanto em cada poro

Que eu te buscando era você, respirar.

O meu choro, a tua saliva, era você

Era você demais pra notar eu

E que eu não queria te dar

O prazer quebrado, sórdido, ateu

De me ver comer, quebrar.


Não pode ver meu vestido branco,

Só no dia do casamento,

Bolo de andares e andaime, vendaval

O relógio parou às sete, e você.


Um menino veio brincar, não vi.

Os ratos circulam na platéia, baratas.

Você bebeu do vinho tinto, na taça de vidro

Que eu mordi e enchi com vida, o vinho de Deus.


Sob a luz de quatro sóis, cai,

Sobre a sombra de quatro corpos, cai.

Sobre quatro sombras de alma, cai

Sob quatro focos de luz, teus dentes

Sobre quatro pares de olhos, sorriu

E das quatro vezes dez dedos, que tentaram te agarrar,

Sete, sete vezes você sumiu, das minhas garras de plástico.


Os sons das flautas dos anjos ouvi,

Caindo do céu e quebrando, em mil cacos de vidro.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Flor in vitro...



Fico pensando – sem grande necessidade ou eficácia, depois que o efeito já se sobrepôs à causa – se deveria ter-me dado a liberdade de sonhar com você. Haja intimidade entende? 

Eu não sei se essa intimidade existe e se você gasta os minutos da sua preciosa noite – não os de sonhos, necessariamente, mas aqueles que vêm logo antes – comigo. Acho que não: eu diria que não, caso fosse obrigado a responder. Porque não parece ser assim. 

Da maneira que gosto, e agora confesso minha culpa, de me iludir, provavelmente não, você não pensa em mim e menos ainda nesses minutos pré-sono, quando tantos outros problemas importantes devem surgir e eu devo ficar logo ali, entre o lodo dos queridos. 

Não é recriminar-te, veja. É só uma constatação interna que teve, tal espinha, de sair. Mas é uma constatação interna de qualquer maneira. Imagem de respiro, no espelho, alada. Branca de voir (pronuncia-se voar). 

Me deixei os olhos presos nos teus detalhes, vê? Nos que não sei se você repara, mas os que eu gosto. Não posso deixar meus olhos lá presos verdadeiramente nos reflexos espelhados: além de ilusórios, todo reflexo pertence a alguém, e todos perceberiam, pois que meu olhar seria visto do espelho, por quem quer que estivesse às minhas costas.

 

Mas que seja, pétala, que seja. Dei-me a liberdade que não pensei poder e é assim, sonho quando quero e quando vem, aceito quando acordo e quando vai. Como espero a luz acesa, para ver os reflexos planos e guardados, flor in vitro.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Esse é o meu país

"Este é o meu país...
Me diz, me diz
Como ser feliz em outro lugar"

Quanto orgulho desta terra de Golçalves Dias, de Guimarães Rosa, de Machado de Assis, José de Alencar, Guilherme de Almeida, Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade.
Dos MC's, das favelas, dos "proibidões", dos traficantes, do Presidente Burro, dos analfabetos funcionais.

Não consigo ter nada um pouco melhor que vergonha deste lugar. Os patriotas que me perdoem, mas eu desisto de lutar. Isso aqui não tem jeito, não.

Ontem eu estava num ônibus, lendo, estudando. Saí da Cidade Universitária e ia para o metrô num local valorizado da cidade. Abriram a porta de trás para a entrada de pessoas. E aí começa o absurdo: só não paga passagem menor de poucos anos.

Dez pequenas pessoas, de sete a quinze anos, entraram no ônibus gritando e se encaminharam fazendo barulho com palavras que eu teria vergonha de pronunciar perto de alguém da minha idade, que dirá na frente de uma senhora de setenta anos, sentada no acento reservado.

Estavam drogados.
Tenho medo, tenho pena.
Mas tenho vergonha e tenho raiva.

Se esse é o meu país, abro mão. A-bro mão.
Não quero, não quero, não quero.

Desisto mesmo, cumprirei com meus deveres, voto. Voto nulo.
Pago impostos por falta de opção, me rendo aos deveres.
Não pretendo exigir os direitos para que não me impinjam o título: brasileiro.