(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

domingo, 18 de janeiro de 2009

Gás

Esperei o meu homem sair,

Tomei banho, arrumei-me bem.

Retoquei maquiagem, troquei os brincos.

Penteei meu cabelo com mais cuidado.

 

Botei blusa nova, sapato novo,

Passei batom, hidratante e perfume.

Liguei pràs amigas, combinei cinema,

Jantar, danceteria e asilo.

 

Arrumei a cama, arrumei os vasos,

Ele sempre gostou muito do jeito

Como eu sempre arrumei os vasos.

 

Limpei a sala, os quartos e seus livros.

Passei pano nas estantes, nos móveis,

Escova no sofá, nas poltronas

E escovei os dentes.

 

Deixei três camisas passadas no armário,

Duas calças nos cabides e cinco gravatas.

Abri dois pacotes novos de meias,

Deixei roupas discretas limpas e guardadas.

 

O tênis do fim de semana, das caminhadas,

Deixei tomando um pouco do sol do dia.

Também deixei dois lençóis, brancos, macios.

Dois lençóis dos que ele mais gosta, um na cama,

Um no armário, cheiroso como se fosse novo.

 

Deixei sopa na geladeira, um pouco de arroz,

Dois bilhetes na porta branca, bilhetes brancos

Com instruções, telefones de faxineira,

Rotssérries e pizzarias.

 

Ajoelhei na frente do fogão, para ver uma torta,

Se estava pronta para o meu marido.

Tirei a torta, mas deixei o fogão aberto, respirava.

Desliguei o fogo sem desligar o gás.

 

Ouvia seu carro à frente de casa, as palavras,

Avisando como sempre, que chegava e queria comida.

Sobre meus sapatos altos e pretos, com meu vestido,

De renda e decote, que mostrava o que devia.

 

E com a mala nas costas

Virei pro meu homem e disse:

Amor, nosso gás acabou.

 

6 comentários:

Alice Salles disse...

Ai Gabriel não me mata de tristeza!

Anônimo disse...

"Amor, nosso gás acabou."

Adorei esse final. Me lembrou um micro-conto do gaúcho Jorge Furtado que li certa vez no livro 'os menores contos brasileiros do século':

"
- Eu não te amo mais.
- O que? Fale mais alto, a ligação está horrível.
"

(beijos, Ing)

João Menéres disse...

Muito, muito boa tua poesia.
Um abraço e até breve.

Unknown disse...

Adorei, Gá!

Não é por menos que te considero o homem das palavras.

Beijo!

Leticia disse...

ma-ra-vi-lho-so.

conduarte disse...

Salomão, eu tinha vc no meu blog, que absurdo, estou enlouquecendo por minuto rsrsr Me perdoe, mas que bom que logo te achei, eu estava pirando sabia? Ufa! Meu poeta predileto, me diga se é verdade que vc só tem 17 aninhos? Meu Deus!
Super beijo, CON