(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Crônica da minha morte anunciada.

Serei estátua branca à luz da lua, para sempre

Observando mundo e estátuas outras rindo.

Observando águas ácidas caindo.

E observando placidezes anuviadas.

 

Agasalhado pela dó do povo que admira

Em transe, a estátua que o fita, imóvel

E quando cair chuva e pombas mortas aos meus pés,

Não moverei meus olhos, não poderei mais com as pedras.

 

E quando a luz do sol bater furiosa sobre mim

Indefeso me deixarei queimar. Câncer na tez.

E depois, sem ainda poder me defender,

Esperarei meu fim sem nunca terminar,

Eu nunca, eu jamais terminarei. Eu sou o começo.

 

Mas o começo pode ser interrompido, facilmente

Por um sopro, pela brisa, pela morte

E quando um dia, feliz e finalmente, eu for interrompido,

Ah, me considerarei começo-estátua de sorte.

 

Enquanto ela não vem, o sopro, a brisa, a morte,

Espero sobrevivo sem ser o bom poeta

O bom amigo, o bem-amado.

Ah, não quero ser abandonado à minha sorte.

Eu não só forte como pareço, não sou forte.

Quero ser interrompido pela minha

Desanunciada morte.

 

Não essa morte dos caixões,

Mas a outra, a centrífuga,

Que nos faz tolerar sem esperança.

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