(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Ferro e carne - poema de amor



São goles de arame farpado, meu amor
Que eu me regozijo bebendo da tua voz.
São pregos, ferrugens, farpas velhas,
Repetitivos metais de outros romances.

Teus sussurros, todas tuas palavras,
Teus versos, esculturas cirúrgicas de aço.
Teus balés de voz, tuas danças de rimas
De ritmos, de vida, de paixão,
São redemoinhos de vergonha.

Todas tuas vidas, tuas personagens,
Tuas cortinas e tuas máscaras,
São máscaras de ferro, homem oculto,
São escuros vultos ad aeternum.

Tua mão, teus braços, são camisas
Fortes camisas que me vestem quando durmo,
E quando acordo, quando percebo,
Trancaram-me num sub-quarto mais escuro.

Teus beijos não são beijos, são lascivas vagas,
Tua saliva é pura lágrima de mar.
Teu chegar no meu pescoço
É guilhotina: a cair e aproximar.

Vampiro, vulto de escuros vendavais de silêncio.
Quando durmo sozinha nem assim te despercebo,
você é notável, como um rasgo na carne.

Teus lábios são duas grandes pétalas vermelhas
D'alguma rosa carnívora que nasce nos vasos do meu quarto.
Mas o beijo da tua boca, cravo,
É encravado de espinhos, e sangra.

Agridoce desejo de te olhar,
Vinagre, cítrico sabor nas feridas,
Teu abraço são mil ventos,
Frios, cortantes, ventos de noite,
A me envolver e me fazer dormir,
De novo.

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