(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Ferro e carne - poema de amor



São goles de arame farpado, meu amor
Que eu me regozijo bebendo da tua voz.
São pregos, ferrugens, farpas velhas,
Repetitivos metais de outros romances.

Teus sussurros, todas tuas palavras,
Teus versos, esculturas cirúrgicas de aço.
Teus balés de voz, tuas danças de rimas
De ritmos, de vida, de paixão,
São redemoinhos de vergonha.

Todas tuas vidas, tuas personagens,
Tuas cortinas e tuas máscaras,
São máscaras de ferro, homem oculto,
São escuros vultos ad aeternum.

Tua mão, teus braços, são camisas
Fortes camisas que me vestem quando durmo,
E quando acordo, quando percebo,
Trancaram-me num sub-quarto mais escuro.

Teus beijos não são beijos, são lascivas vagas,
Tua saliva é pura lágrima de mar.
Teu chegar no meu pescoço
É guilhotina: a cair e aproximar.

Vampiro, vulto de escuros vendavais de silêncio.
Quando durmo sozinha nem assim te despercebo,
você é notável, como um rasgo na carne.

Teus lábios são duas grandes pétalas vermelhas
D'alguma rosa carnívora que nasce nos vasos do meu quarto.
Mas o beijo da tua boca, cravo,
É encravado de espinhos, e sangra.

Agridoce desejo de te olhar,
Vinagre, cítrico sabor nas feridas,
Teu abraço são mil ventos,
Frios, cortantes, ventos de noite,
A me envolver e me fazer dormir,
De novo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Tratado sobre a inexistência do amor perfeito – em dois parágrafos.


É que na próxima esquina, seja ela quem for, surgirá o namorado. Pessoa pensava assim, ou Bernardo Soares, que é Pessoa com uma outra carteira de trabalho. E meu Mestre é Fernando Pessoa, ele foi o melhor poeta do mundo. Ele, oh, heresia, venceu Shakespeare. Ou, se posso dizer assim, é o equivalente latino do Bardo. O fato é que na próxima esquina surge o namorado e cada vez mais nos divertimos a montar os planos de ação já planejando a saída triunfal depois da derrota.
E quando não é assim, jamais encontraremos quem admiremos completamente. O príncipe encantado existe, mas quando chega de todas as suas batalhas, invariavelmente não teve tempo de tomar um bom banho. O mundo não é um palco. O mundo é um pano esquecido na janela.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A Torre


Os meus sonhos têm o peso nítido de um castelo
De nuvens douradas, e que paira sobre minha cabeça.
A cada instante olho-os e os temo:

Acaso solidificar-se-iam?