O som é do piar de um passarinho que amanhece
E desafinado, ainda, aquece a voz.
É de uma criança que grita, desconhece
Que o fogo é quente e tira a mão, veloz.
É da pena que arranha o papel áspero,
É do poeta que escreve um áporo,
E do panfleto que descreve um arco
E cai no chão, sujo, abreviado.
O cheiro é do tempo que parou,
É da fruta que estragou, passada
E de um soneto que não vai ser entregue
E de uma carta que não vai dar em nada
É do que passou,
sem significação.
O sabor é azedo, de pretérito,
É de quem sabe que nunca merecerá
A medalha de honra a quem merece.
É da rima que ficou faltando,
E que podia ter surgido, natural.
É da palavra que fica na boca,
Porque se saísse, sincera, feriria,
Ou, mais amargo,
Da que saiu entre risadas,
Para não soar como verdade a ser tomada,
A ser temida.
A vista é de sol, que machuca,
Ou de noite de cidade grande,
Da noite que foi morta pela cidade grande.
E pelo esforço desta de criar em fábrica
Um dia vinte-e-quatro-horas.
O tato? O tato é de tiro.
Mas de um tiro delicado.
O tato é de tiro de vidro.
Que machuca sem ser assassino,
E faz questão de, transparente,
Deixar sobreviver.
É do tiro que se aloja sem ser detectado,
Para ter a liberdade de permanecer.
É do tiro que amanhece encravado
Que você não percebeu entrar,
Não percebeu que mora em ti
E não vai tentar tirar dalí.
O cheiro na verdade é de queimado,
O som é na verdade de esquecido,
O gosto é de fruta estragada,
O aspecto é de prédio construído,
E o furo, digo o tato,
O tato é de tiro de vidro.
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