(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

sábado, 31 de janeiro de 2009

NEGANDO A MAÇÃ

O RETORNO AO ÉDEM DO PONTO DE VISTA TEOSÓFICO

 

Está no livro sagrado cristão que por comerem do fruto da árvore proibida, Adão e Eva foram expulsos do Paraíso.

Inicialmente é necessário entendermos qual é o fruto proibido do qual Eva e Adão comeram. É muito comum encontrarmos quem acredite no que pode ser chamado Mito da Maçã. Sem razão aparente, há um mito de que o fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal era uma maçã vermelha, quem sabe parecida com a da Branca de Neve.

Sem distinguirmos uma metáfora de uma realidade não podemos continuar nosso estudo.

O tal fruto não tem nome nem forma, o Escritor esqueceu-se de mencioná-los ou, quem sabe, omitiu este detalhe justamente para que perce- becemos não haver fruto algum. O que há é uma indicação do princípio do julgamento e do processo de valoração.

Isto sim expulsou o homem do Paraíso, afastou o homem do Um.

A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal também não era uma árvore e a Serpente também não era uma serpente[1].

A macieira abíblica era, na verdade, a possibilidade de aderirmos à ilusão da dualidade. A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal é, em síntese, a matriz da diferenciação dicotômica de bem e mal, bom e ruim, feio e belo, puro e sujo, certo e errado.

Aquele que atinge um grau mais alto de consciência, ou mesmo aquele que despende parte de seu tempo a pensar sobre questões maiores, percebe que toda dicotomia é limitada e não leva o raciocínio humano muito longe.

Aquele que divide as coisas segundo dois valores não pode discernir o Um.

A serpente mencionada no mito é somente a tendência do ser humano de aceitar o que é mais fácil. Não proibido, nem errado, mas mais fácil de se conseguir.

A divisão de tudo entre dois valores, o fruto proibido, é uma fase da infância que deve ser respeitada. Esta mesma fase pode se estender por toda uma vida e ainda assim deve ser respeitada, cada ser tem sua evolução e esta tem uma infância que pode durar muitas vidas.

No entanto àquele que procura compreender a Natureza e a Sabedoria Divinas, não é recomendável que se deixe iludir por conceitos qualitativos infantis. Àquele que deseja de fato ser um Teósofo, não se diz para entender tudo sob o prisma do certo x errado.

É necessário que compreendamos, na verdade, que a dicotomia não é algo que não deva ser utilizado por razões quaisquer e desconhecidas, mas sim algo moderno, no sentido de eternidade, criado pelo homem e para o homem. É portanto, posterior ao Um e não se aplica à Sua natureza, não devendo ser utilizada por aqueles que A buscam.

Quando a bíblia nos diz que Deus avisou a Adão e a Eva que não comessem da Árvore, não lhes dizia, como pensa-se hoje, para não praticarem um ato carnal (chamado posteriormente de pecado original).  Deus lhes dizia que não começassem a diferenciar na Natureza o que é bom do que é ruim, pois Ele havia criado tudo com pureza, com a Sua pureza.

Caso o Homem desejasse valorar as coisas, começaria a retirar delas a pureza conferida por alguém maior. Nós não deveríamos dicotomizar o mundo justamente para não acabarmos com a pureza conferida por Alguém a nós mesmos.

Quando o Homem divide em dois tudo o que encontra, termina por não encontrar a Unidade que habita em todas as coisas, de maneira subjacente.

Todo ser tem em si uma partícula divina que não se altera com o passar das eternidades[2], no entanto, quando o ser humano divide-se em raças, em classes e em seres bons e maus, perde a capacidade de enxergar, em todos, semelhantes seus.

O primeiro e mais importante Ideal da S.T. é a Fraternidade Universal. Como um ser que divide outros seres em subgrupos poderá verdadeiramente atingir este ideal?

Entendemos que por meio da Fraternidade Universal e outros princípios, encontraremos a Verdade latente em todas as religiões e filosofias, daí não as dividirmos e descriminarmos negativamente. Quando tudo deixar de ser dividido em grupos, ter-se-á atingido um estado verdadeiro de maior pureza e maior proximidade com o Um.

In princípio, disse a Bíblia, erat Verbum. Num próximo texto essa frase será explorada com maior profundidade, por enquanto nos interessa o significado cristão de Verbo. A Palavra é a sabedoria divina (Teosofia), é Deus em sua totalidade. No principio, portanto, era Deus.

Veja que não se diz era UM deus, era UMA palavra, era UM Verbo. No princípio era o Verbo porque ele ainda era indivisível. Depois vieram os planetas, as estrelas, a luz, a terra, o homem, a proibição lendária e a infração da única regra imposta ao homem. Infração esta que o levou ao limbo do raciocínio, ao lodo da razão, e o fez ficar preso para quase sempre no terreno de um manásika maya tentador.

Ilusão esta a que chamamos conhecimento, longe está este do Conhecimento que almejamos. E este último, em contrapartida àquele, só poderá ser alcançado quando a razão for deixada de lado.

Quando o raciocínio for abandonado, não para descermos a graus ainda mais inferiores, como a paixão, mas para subirmos a graus superiores, como o da Intuição, aí sim o Homem poderá começar a perceber a trilha que o levará de volta ao Édem.

É uma trilha longa, sem a menor dúvida, e uma trilha que pode levar várias vidas. No entanto este tempo e estas vidas passarão de uma forma ou de outra, trilhemos nós o Caminho ou não.

Cabe a cada um ver o que lhe serve melhor. Se o caminho do conhecimento lhe for o mais atraente, que assim seja e que, na ilusão, se faça uma aparente felicidade para este homem.

Para aquele que decidir trilhar o Caminho longo de retorno ao Édem, de retorno, quem sabe, ao Verbo, H.P.B. deu boas instruções em A Voz do Silêncio quando disse:

 

Acautela-te, não vás pousar um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada’.

 

Paz a todos os seres.

 



[1] A metáfora da Serpente pode ser encontrada em ‘A Voz do Silêncio’ 1º Fragmento, por H.P. Blavatsky

[2] O termo eternidade é utilizado em seu sentido menos usual, a eternidade hindu, que dura um grande, porém determinado, número de anos.

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