(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Dos pepinos


Um pepino não é uma coisa espiritualizada, e não se torna, não importa o que se faça. Uma orquídea é firme sem importar sua sutileza ou a espessura do caule, e não importa a cor da flor, é sempre esbelta. Um cristal de rocha é sempre uma nuvem in vitro, não importa sua transparência de vidro ou sua brancura de lua (cheia, que quanto mais velha é a lua mais branca fica, como acontece com os cabelos).

A orquídea e o cristal, porém, tornam-se espiritualizados no contexto adequado. Os pepinos não. Havendo contextos perfeitos, o pepino ainda é feio e, havendo saladas perfeitas, por agradável que seja, o pepino é secundário. Importantes são o alface e o tomate. A beterraba, por sua cor, vence no gosto ou no desgosto e o rabanete, mais pelo contraste entre sua sensualidade exterior e seu interior branco, puro e iluminado, ganha, na lembrança, do pepino.

Desimportante e secundário, absolutamente vivente enquanto vegetal, o pepino se doa sem luta, sem resistência nenhuma. É quase pedra, mas porque é vivo é muito menos eterno. Não é uma coisa espiritualizada de maneira nenhuma, o pepino. Mas vai existindo e não some. Deixam-no existir porque não atrapalha os outros vegetais, não impede a soja ou o feijão e por isso pode estar no mundo. Sem querer, conquistou um espaço que quase não lhe pertence.

Mas não entra na cozinha com ares de importância. A rúcula, quando chamada, atende como rainha, altiva e amarga. O pepino é vassalo e servo a um só tempo e mesmo na salada de pepinos é secundário aos seus iguais. Problemas sérios de auto-estima nunca se negou que tivesse.

Mas talvez esteja neste anonimato, neste altruísmo irresistente, toda a superioridade do pepino em relação às outras verduras e, talvez, a todos os outros seres – à exclusão das pedras que, como já se disse, são perfeitas e eternas por não serem vivas.

E vão-se as borboletas e os conhecidos. Ficam, espero, as pedras, por eternas, os amigos, por amados e os pepinos, por insignificantes.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu li esse no orkut e gostei dele! E dá vontade de comer uma salada caprichaaada..

Anônimo disse...

aaaa catá coquinho!
hahahaha

Brigado Clá!
Não esquece de oferecer e... sem rúcula, por favor.
São amargas.