(Sim, sei, vocês não sabem de que estou falando porque a beleza desapareceu há muito tempo. Ela desapareceu sob a superfície do barulho - barulho das palavras, barulho dos carros, barulho da música - no qual vivemos constantemente. Está submersa como a Atlântida. Dela só restou uma palavra cujo sentido é a cada ano menos inteligível.)
[Milan Kundera]

domingo, 20 de dezembro de 2009

Poema (Só)Lírico


Havia música, eu lembro, e o quebra nozes!
Havia vida, e festa e convidados
E os meus sentidos estavam todos vidrados
Em cada uma de tuas metamorfoses.

Da menina que chegou, a prima e a irmã
À bailarina que chamou minha'tenção
Da dançarina que girava e de manhã
Ainda me deixava louco de paixão

Até tua respiração pude notar
Se transformando com o tempo e a canção
E dentro do meu peito, quase em oração
A música tocava em ritmo de palpitar.

O teu nome até hoje eu não sei
Não perguntei, ninguém me disse, e eu não descobri
A impossibilidade me persegue, e eu te segui
E descobri onde mora, isso eu já sei.

A espessura dos teus lábios eu ganhei
E adivinhei com meus olhos anuviados
Cada milímetro teu eu já abracei
E te vi em mil sonhos acordados.

E nas pálpebras ficou tua impressão,
E me lembro, nos lábios, teu sabor.
E o frio de agora faz lembrar o teu calor,
E todo o tempo, em minha pele, a tua mão.

sábado, 19 de dezembro de 2009

A morena e a flor

~~~.~~~

Te via nua, morena,
numa rede ao lado de mim
E era pedir muito, pena,
que não caísse uma flor, e assim
Não te cobrisse em pudor
Cada fonte recondida de amor.

Era pedir muito, morena,
Não querer que se escondesse dos meus olhos
Tua boca, os teus lábios, os teus seios.
Era pedir muito, pequena,
Querer-te sempre a espera do meu beijo.

E o vento, como um pai para uma filha,
Te cubriu de pétalas de flor
E aos poucos, um lençol de rosas
Te fez inteira virgem de rubor.

Ai, morena,
Minha sede foi a chuva quem matou.
A tua, o orvalho da manhã.
Minha fome era de vida, morena,
Tua fome era maçã.

Ai, doce menina,
Minha saudade machucava o peito,
Tua inocência acordava o sol.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Canção numa teia

Teia_na_chuva.jpg

E eu, que tinha tantas esperanças
Aos poucos fui ficando sem nenhuma
Como um velho que contemplasse a própria sepultura
Que mandara fazer com tanto anelo.

Como um botão de lírio que ao brotar olhasse em volta
E só visse também as sepulturas
E esperasse um campo aberto, e verde, e vivo,
E só visse, também, mesmas injúrias.

Como um homem que acordasse inspirado
E descobrisse sua pena já ao meio,
E não achasse pedaço de papel em que escrever
E percebesse que a tinta já se foi.

Como um namorado que marcasse um casamento
E pela chuva, ele fosse cancelado.
Como um nadador que então se vê cansado
Depois de tantos metros de competição.

Eu não conseguiria respirar,
Como um mergulhador, que nadando de volta à superfície
Se supusesse já no ar, acima d'água
E tomando folego então visse
Que faltam ainda alguns mentros a passar.

Um inseto que voasse à sua flor
E em caminho, parasse numa teia
Vazia de aranha, só cheia de dor,
Como uma vida que é de tédio cheia.

Eu que plantava tantas flores
Aos poucos deixei de cultivar
As flores e esperanças dum amor
Dum botão que pudesse então brotar.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Traduzindo Bandeira

Resolvi tomar vergonha e começar a traduzir. Tenho medo de que isso só me dê mais vergonha. O original do poema abaixo é o em português, do Manuel Bandeira. A tradução é minha, com o perdão do início de trabalho.

SONETO INGLÊS Nº 2 – Manuel Bandeira

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar num grito de ódio a quem o fez.
As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao generoso sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança nem de espanto.
Nada pedir nem desejar senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então

Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

~~~~~~.~~~~~~

ENGLISH SONNET Nº2 – Manuel Bandeira (Trad. Gabriel Salomão)

To accept the undeserved castigation
Not for weakness but for pride
In the most profound misery your lamentation
Change for who did it on a hateful cry.
The luxuries of flesh and thinking
With which the species' instinct does fool us
Underrate for the unselfish feelings
Of the simplest of human affections.
Not to shiver for fear or hope
Nothing ask or fancy that is not
The bravery of being a further pope
Lacking faith on a world beyond this orb. And so

To die without a tear, 'cause life
Doesn't worth the pain and sorrow of the lifetime.