Força a poesia
Como quem força um filho
Com o corpo todo
Dos pés à alma.
Deixa-se doer e machucar
Deixa sair teu sangue com tua cria
Deixa que te mutile teu poder criador
Em nome da criatura que pode te matar
A dor do parto é a dor da morte
Porque é vida que se dá
É a luz, e não só à luz que se dá.
Então força a poesia com teu suor, tua lágrima, teu sangue e teu sêmen.
E deixa que ela escorra de ti, que ela socorra de ti, que ela corra de ti.
Que ela exploda de ti.
Permite que o teu cansaço seja a energia dela
A poesia não pede amor, nem sentimento algum.
Ela quer tuas letras, tua tinta e tua alma.
Não pensa nos teus gostares, pensa nos teus poderes.
Dá a ela o que ela quer, como a um monstro e a uma mãe.
Nega a ela o que não queres dar, como a um cão e a uma filha.
Pari tua patricida
Chora teu reflorescer
Esconde os olhos da feiura do recém nascido
Lava tua poesia, limpa-a, e então sorri e a afaga enquanto ela te morde.
E depois, se for bela, agradece-te a tua competência.
Por que de tudo o que se fez, só a beleza dela importa.
O que se perdeu, o que se deu, o que lhe foi roubado, nada é teu.
Só a beleza dela importa.
É teu o poder, ela é tua criatura e tende a crescer e dominar-te
Tende a crescer e devorar-te
Tende a fazer de tudo, a devorar tudo, a transformar tudo
Em pureza, em brilho, em som, em parte
Tende a fazer de tudo grão, poeira, vento, tende a calar-te.
E deseja mais que à vida, tua vida, deseja mais a arte.
2 comentários:
Da onde vem essa inspiração toda?
"...ela é tua criatura e tende a crescer e dominar-te"
Gabriel Salomão, essa foi a poesia mais linda sua que eu já li.
Você é um monstro... enorme no sentimento, na sensibilidade, no coração.
Isso faz de você um deformado. Ninguém é assim, um Gabriel.
Ninguém.
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